As bobagens que ouvimos (e falamos)
Nem todos os termos da linguagem empolada do mundo empresarial significam aquilo que originalmente deveriam definir.

Em seu divertido Dicionário de Besteiras Corporativas (Matrix Editora, R$ 29, 279 páginas), a norte-americana Lois Beckwith se propõe a desvendar o real sentido de expressões comuns no cotidiano das companhias. São verbetes e chavões considerados vazios, irritantes, estúpidos e que, se dissecados, exprimiriam a dose diária de eufemismos, jogo de cena, sabotagens e artimanhas dos ambientes de trabalho.
Brincar com os sentidos velados nas mensagens e posturas é a proposta do glossário, que permite variações de interpretação para situações como a de seu chefe recebendo, pelo BlackBerry, um pedido do CEO da companhia, que quer saber sobre a organização da convenção comercial. Esse trivial, se traduzido com os pretensos sentidos dúbios, poderia ficar assim: pelo aparelho demoníaco mais conhecido por Crackberry – devido ao alto potencial de causar dependência –, aquele que o controla, o faz sentir miserável e que pode ter o contratado para fazer o trabalho por ele, recebe uma mensagem do figurão que ganha mais dinheiro em um ano do que a maioria durante toda a vida.
Continuando a tradução, esse cara ao Crackberry, que provavelmente não tem a menor ideia do que se passa na empresa, quer saber, na verdade, daquele encontro que se transformará em uma grande festa em uma cidade turística. E a organização ficou com você, que faz o trabalho de várias pessoas sem ganhar por isso. E se algo não funcionar como deveria e você receber uma crítica construtiva, leia assim: na verdade, o seu chefe está dizendo “o que você fez está uma porcaria”.
Lois, executiva da área de mídia em Nova York, entende que a repetição de certos termos, utilizados muitas vezes por pessoas que não conhecem o significado literal, está se transformando em “uma doença que asfixia a nossa cultura de trabalho e afeta a maneira de nos relacionarmos uns com os outros”.
Experiência não falta ao empresário Paulo Vellinho, 81 anos, que iniciou em 1949 o seu histórico de funções executivas e de presidência em importantes empresas gaúchas. Ele critica particularmente o uso de expressões estrangeiras no vocabulário corporativo e entende que muitas definições modernas não acrescentam nenhum significado novo.
– O diretor superintendente agora é o CEO (Chief Executive Officer). Mas não se agregou nada ao significado. E muitas pessoas repetem essas expressões como papagaios sem saber o significado. É tudo modismo. E não mudou nada no conteúdo – explica Vellinho.
A psicóloga Ligia Nery da Silveira, diretora da DCO Consultoria, especializada em psicologia organizacional, interpreta a utilização da linguagem empolada como uma forma de criar castas e buscar afirmação sobre subalternos e colegas. Para ela, quem abusa do jargão corporativo ou de expressões em inglês quer pontuar diferenças e parecer melhor ou mais importante.
– É quase como fazer xixi para demarcar território – compara Ligia, que vê inclusive o uso desses termos como a possibilidade de um disfarce para a baixa autoestima.
Para formatar a obra, Lois escolheu as palavras e os termos e, depois de apresentar a definição literal, desvenda os significados alternativos que, segundo ela, representam o verdadeiro sentido escamoteado nas entrelinhas da linguagem. Com este quase “Aurélio” do jargão corporativo, a autora pretende, enquanto diverte, ajudar as pessoas a interpretar o que acontece ao seu redor em tempos de crise. Mas recomenda a leitura após o FDE (Fim do Expediente), para evitar um flagra: ser apanhado pelo chefe, vadiando.
Para o empresário paulista Augusto Nascimento, diretor da BBM Brasil, o livro foi oportuno para recordar – e rir – da própria história. Nascimento conta que, por diversão, mantém o livro sempre por perto para consultar quando um interlocutor exprime algo em linguagem hermética.
Para ele, o livro poderia ser até maior devido à abundância de termos que ainda poderiam ser incluídos, e é perfeito para servir de presente 'tanto para pessoas que a gente gosta, quanto para quem odiamos.'
Ex-executivo de empresas como Pão de Açúcar e do extinto Mappin, Nascimento diz que costuma levar na brincadeira quando em alguma reunião surge algo do gênero.
– Aí eu digo que isso é uma questão de muito principalmente. E fico vendo a cara das pessoas tentando entender o sentido do que falei – diverte-se o empresário.